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Quem estiver esperando um disco do Rappa, vai se decepcionar, diz Marcelo Falcão

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No estúdio de mais de 140 m², em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, cada músico estava em posição. Formavam uma meia-lua em torno de Marcelo Falcão. Trio do naipe de sopros, guitarra, bateria, baixo, duas guitarras, um DJ, dois teclados, integravam a big band tão sonhada pelo músico de 45 anos nascido no bairro Engenho Novo, no norte do Rio de Janeiro.

O combinado era mergulhar em mais uma madrugada de ensaio às vésperas do lançamento de Viver (Mais Leve Que o Ar), primeiro disco de Marcelo Falcão depois de 26 anos com O Rappa, banda em hiato desde o fim da última turnê, em 2018. O álbum, uma lâmpada incandescente de good vibes, chegou às plataformas digitais e lojas nesta sexta-feira, 15.

Desta vez, o ensaio era especial. Seria uma prévia da apresentação de Falcão e banda para um programa de TV. “Então, vamos só tocar as quatro músicas do disco que já saíram como single, tudo bem?”, perguntou Falcão. “Claro, sem problemas”, respondi.

De repente, um estalo. Plaft! Tudo apagou.

Restou a escuridão e o cheiro de insenso e erva. “Desliga tudo, desligado”, gritava um técnico de som no meio do breu. As lanternas dos celulares começaram a ser acionada e todos voltavam à vista. A energia elétrica voltou outras duas vezes até ir embora e não voltar mais.

“Está caindo um temporal lá fora”, diz um. “É a natureza, brother. Ela é foda”, reflete Falcão, ainda meio na penumbra, virando-se para mim. “Agora, Pedrão, é esperar.”

E esperamos, todos, enquanto as ventanias envergavam as árvores das redondezas o nível da água chegava à altura da metade dos pneus dos carros estacionados nos fundos do estúdio. Na Zona Sul, a situação estava crítica, enxurradas, desabamentos. O caos. Seis pessoas morreram naquela noite de quarta-feira, 6 de fevereiro.

O Rio de Janeiro se desfazia, molhado. Estávamos ilhados, mas felizmente seguros e, principalmente, secos.
Uma hora depois, DJ Negralha, companheiro de Falcão dos tempos de Rappa, chegou ao estúdio ensopado. Trazia pizzas e um galão mate. Ele era o incumbido em providenciar o comes e bebes no ensaio daquela noite de ensaio – cujo costume é tocar até o sol nascer.

No caminho, Negralha foi pego pelo temporal, precisou saltar do carro que o levava e ajudar a mover uma árvore caída nas proximidades do estúdio para poder chegar. “O mundo está caindo lá fora”, diz, ainda sem fôlego, o DJ nascido no ABC paulista. “O motorista me pedia para não sair, tinha medo que eu fosse eletrecutado”, lembra, aos pingos.

Falcão, quieto por minutos a fio, tinha o olhar perdido em algum ponto do chão, enquanto os pés batiam ao ritmo da música de fundo. Foi trazida uma caixinha de som portátil, posicionada ao lado do músico. Ele plugou seu aparelho celular nela e ouvia os quatro singles lançados como preparação para o lançamento do álbum, “Viver”, “Eu Quero Ver O Mar”, “Diz Aí” e “Só Por Você”, em looping.

O escuro e as música em sequência abriram a possibilidade para que cada um mergulhasse dentro dos seus próprios pensamentos. Não por acaso, as conversas ao redor viraram murmuros e, por um período de tempo indeterminado, cessam de vez.

Quando havia luz

Horas atrás, Marcelo Falcão falou longamente com a Rolling Stone Brasil. Antes mesmo do gravador ser ligado, o músico disse pela primeira uma palavra repetida muitas vezes dali em diante. “Leveza”. “Para mim, leveza é muito importante”, explicou depois.

Por isso o subtítulo do álbum, Viver (Mais Leve Que o Ar)Falcão quer fazer uma ode à vida e a leveza de ser. Os anos recentes não foram fáceis com o artista, a começar pelo fim do Rappa, banda cujo status oficial é um “hiato”.

O último álbum com músicas inéditas na companhia de Xandão (guitarra), Lauro Farias (baixo) e Marcelo Lobato (cuja função na banda já foi de tecladista, depois baterista, com a saída de Marcelo Yuka, em 2002, e, nos últimos tempos, era responsável pelos samplers e vibrafone) foi Nunca Tem Fim, de 2013.

Foi pouco antes da finalização desse disco quando a irmã mais nova da mãe de Falcãodescobriu “ter aquela doença que começa com a letra ‘c'”, como ele diz. “Eu vi como as minhas outras tias estavam envelhecendo em ver a irmã delas daquele jeito. Vi a minha mãe… Eu preferia dar tudo o que eu tinha para não ver a minha mãe naquele jeito.”

Católico desde criança, quando era conhecido como Marcelinho e corria pelas ruas do Engenho Novo, Falcão colocou a tia para ser tratada no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, um dos mais importantes do País. “Disse para eles: ‘Doutor, eu tenho uns instrumentos raros, equipamentos, vendo tudo para poder pagar o tratamento dela’.”
A equipe médica colocou a tia de Falcão para iniciar o tratamento no dia seguinte. Na época, escreveu “Anjos”, faixa mostrada primeiro para a mãe dele. Há, na música, versos como “Eu vou pedir pros anjos cantarem por mim / Pra quem tem fé, a vida nunca tem fim”.

A mãe ouviu a música e, em lágrimas, pediu para que o filho a gravasse. Marcelinho correu para o estúdio d’O Rappa onde era Falcão. “E o disco estava pronto, brother”, ele relembra. “Mas eu disse que queria gravar mais essa música.”

“Eu não ia ficar segurando nada. Não gosto disso. Não sei o que vai acontecer, vou ficar segurando? Não, não. Disse que seria desse disco.”

“Hoje”, continua Falcão, “todo o tratamento da minha tia foi pago pelos direitos dessa música”. No Spotify, essa é a segunda faixa mais ouvida d’O Rappa, com mais de 19 milhões de audições, no YouTube, são 122 milhões de visualizações. “Alguns dias atrás, na semana passada, eu fui saber que a parada [doença da tia] parou.”

“Anjos” serve para de contexto para entender as good vibes de Viver (Mais Leve Que o Ar). É a tal “leveza”. “Ou seja, se eu levasse tudo para a bad, para a derrota, eu não tinha chegado até aqui. Eu sou esse cara”, diz ele, batendo as mãos no peito.

“Se alguém começa com a bad vibe e eu gosto muito, eu vou ver dia sim, dia não. Se eu gosto demais, eu prefiro me afastar. Porque, querendo ou não, você não vai se contaminar. E não é a minha trilha.”

Enterros, por isso, mesmo, ele não vai. Citou a morte do avô materno como o último deles – Falcão não foi ao enterro de Marcelo Yuka, ex-O Rappa, morto pouco menos de um mês atrás, em 18 de janeiro, em respeito à família do antigo colega, já que passaram 18 anos sem se falar.

“Quando cheguei no velório do meu avô, minha mãe me encontrou na porta e me disse para ir fazer meu show, que não queria que eu o visse daquele jeito e para guardar as lembranças que tinha dele. E fui para o show”, relembra Falcão. “No palco, a galera sabia pelo o que eu tinha passado e foi uma loucura. Eles me colocaram para cima!”

“Eu quero ser esse cara. Eu quero ser uma mola, ajudar as pessoas com a minha música.”

Nos últimos anos, com O Rappa em vias do fim, Falcão (abaixo, em foto de Jacques Dequeker) começou a gravar canções no gravador do celular. Voz e violão, versões bem rudimentares. Quando a memória do aparelho se enchia, entregava-o para o irmão e pegava outro. O processo se repetiu até chegar a um total de 627 músicas.

“Esse disco passou por um processo longo de decupagem. Filtramos essas 600 e tantas músicas para chegar em 47”, conta Falcão. Ao seu lado, ele tinha Felipe Rodarte, quem comanda o estúdio Toca do Bandido, junto de Constança Scofield. O local é um dos estúdios sagrados da música brasileira, fundado pelo icônico Tom Capone, e onde O Rappa gravou seus discos.

“Eu tenho três discos já”, diz, animado, o músico, sobre o número de canções que passaram pelo primeiro filtro. “Já tenho vontade de começar de novo.”

Falcão e Felipe assinam, em conjunto, a produção de Viver (Mais Leve Que o Ar), um álbum que reúne um time grande: João Fera (dos Paralamas do Sucesso, nos teclados), Bino Farias (irmão de Lauro Farias, d’O Rappa, no baixo), DJ Negralha (companheiro da antiga banda, nas picapes) Marcos Suzano (percussão e também ex-O Rappa), Felipe Boquinha (bateria, responsável pelas baquetas da antiga banda de Falcão desde 2013), Hélio Ferinha (teclas) e o trio de metais  formado por Edésio Gomes, Eneas Pacífico e Vinícius de Souza.

Cedric Myton, ícone do reggae jamaicano com o grupo The Congos, empresta sua voz para a faixa “Diz Aí”. Quase todas as 13 letras são de Falcão. Com exceção de “Mais Leve Que o Ar”, parceria com Lula Queiroga – esse, aliás, faz a estrofe falada de abertura de “Viver”, uma composição assinada por Falcão e seu pai, Ademir Custódio. “Me Entende” tem a parceria de Ricardo Palmira e “Senhor Fazei de Mim” é uma versão da “Oração de São Francisco”.

“Cê acredita que alguém foi lá e se registrou como autora da Oração de São Francisco?”, diz Falcão, num misto de riso com incredulidade. “Eu poderia fazer um disco só de reggae, um disco só pesado, um disco só dos anos 1970, como o [Mano] Brown. Mas meu coração pulsa para vários lados. Tem pop, tem o lado mais eotivo tem meu amor à música, tem a parada de falar sobre viver, tem o reggae raíz.”
Colecionador de vinil, Falcão quis que seu disco fosse como um dos 4 mil LPs de reggae que ele tem guardado em casa. Por isso a imagem emula o desgaste do tempo nas beiradas, como um disco de vinil antigo. Também fez questão que suas canções estivessem alinhadas, umas com as outras, com uma grande narrativa de começo, meio e fim.

Embora tenha lançado tantos discos com a antiga banda na carreira, também com uma feitura longa, de um ano no estúdio, há um sentimento novo no ar daquele estúdio (e não tinha relação com o prenúncio do temporal que se aproximava dali). “É a maior responsa”, ele brinca, com um sorriso no rosto. “Mas quando estou aqui no estúdio, com esses caras tocando, eu me sinto confiante. Era assim com O Rappa, também.”

Por falar em O Rappa, não é preciso trazer o nome da banda para a entrevista. Falcão, mesmo, o faz. “Eu sempre fui feliz lá”, ele diz. “Não fiquei esperando uma brecha aparecer para poder soltar meu disco”, explica.

“No meu coração, eu fiz parte de uma das bandas mais importantes do País, cada um com o seu momento de geração. Eu vejo na minha uma importância muito grande no que a gente fez.”

Ele se adianta, em pensamento, no que podem dizer sobre o disco, cuja sonoridade não é combativa como nos tempos de O Rappa; é mais fluída, criada a partir das bases reggaeiras, embora cada canção aponte para um lado, elas estão quase todas seguindo uma mesma direção: o amor, pela vida, por alguém, qualquer que seja ele.

“Esperar [ouvirO Rappa nesse disco… O Rappa é O Rappa. Se o no disco do Marcelo Yuka, o cara esperou ouvir O Rappa, se frustrou. Se esperou ouvir O Rappa no trabalho do Lobatinho, se frustrou também. Se esperar no meu disco, se quiser ouvir O Rappa, vai se frustrar também. Quer ouvir O Rappa, pega o CD e ouve”, ele diz.

E segue: “Estou dando uma oportunidade, com mais dois amigos, de você ouvir coisas que a gente gosta de fazer quando não estamos n’O Rappa.”

Marcelo Falcão, contudo, avisa que seus shows solo serão também sobre O Rappa. “Não consigo me ver subindo num palco e não dar dois shows para a rapaziada”, ele explica.

“O único cara vivo que pode cantar alguma música d’O Rappa sou eu.”

Mas ele não queria repetir o que foi feito antes. Viu o caso de Mano Brown, cujo álbum solo sem os Racionais MCs foi um disco de amor com pegada setentista, chamado Boogie Naipe. Quando o rapper participou do programa de Falcão na rádio Dia FM, chamado Mofaia, eles trocaram ideia sobre essa transição.

Falou para Brown, na ocasião, como era a expectativa de que ele lançasse um álbum de rap. “Eu já faço rap há muito tempo, sou do lugar da cara feia. Resolvi sorrir, mano. Queria dançar”, respondeu Brown na ocasião.

“Esse vai ser um belo ano, cara”, com um sorriso no rosto. Além da chegada de Viver (Mais Leve que o Ar), em breve nascerá o filho dele com Éri Bauchiglione, companheira conhecida na Austrália. O nome dele será Tom, em homenagem a Tom Capone.

“Vai ser um ano de muito barulho. Em casa e fora de casa”, e gargalha.

Por isso, os primeiros versos de Viver (Mais Leve Que o Ar) são tão emblemáticos: “Hoje eu acordei e decidi esquecer broncas e mágoas de outrora / Abrir o coração e todas as portas / Hoje eu decidi que vou retirar as roupas do armário / Já é a hora de doar todas elas agora”, ele canta, na primeira estrofe de “Hoje Eu Decidi”.
“Sabe”, ele dizia, “eu vi toda as mazelas que um garoto da zona norte poderia ver. Mas não perdi a leveza. Sei que consigo dar uma cativada. Mesmo quando eu não tenho energia para mim, eu tento levar algo para as pessoas.”

O fim do silêncio…

Marcelo Falcão bebericou vinho da da taça sobre a mesa ao seu lado e desligou-se do silêncio. Rompeu a quietude da escuridão do estúdio, enfim. “E aí, quem quer vinho?”, ofereceu.

Logo, cada uma das pessoas ali – umas 18, entre funcionários de estúdio, técnico de som, integrantes da banda, o irmão do músico e empresário dele Vinícius Falcão, a assessora de imprensa e o repórter – receberam um copo de plástico no qual a bebida foi servida.

Três dedos de altura de vinho ajudaram a formar novos sorrisos nos rostos apreensivos com as notícias sobre os resultados das chuvas no restante da cidade que chegavam nos poucos celulares ainda com sinal de rede.

“Gente, tem pizza, quem vai querer?”, pergunta Vinícius, antes de avisar: “Não temos como esquentar, mas elas estão boas ainda.” “Pedrão”, me chama Falcão, “essa pizzaria é incrível. Tem a melhor pizza vegana do Rio de Janeiro. Você que é de São Paulo, quero que experimente e me diga o que achou.”

Falcão brinca com a rixa gastronômica entre São Paulo e Rio de Janeiro quando o assunto é pizza. Felizmente para esse paulistano, não havia ketchup por perto dessa vez.

Sobre a mesa ainda iluminada pelas lanternas dos celulares, a pilha de pizzas já era revirada quando o músico chegou, acompanhado do repórter. Integrantes da banda mastigavam, riam a falta de açúcar no mate trazido por Negralha, que divirtia-se junto. Pizza na mão, Falcãobrincava ao lado os seus, sua nova banda, uma big band, montada como ele quis.

“A massa dessa pizza é muito boa, bem levinha, né?”, diz um deles, cujo rosto era escondido pela escuridão. Marcelo Falcão, que até então enumerava as qualidades da pizzaria em questão, seus ingredientes e tudo mais, virou-se para o interlocutor, escondido pela escuridão. Ainda mastigando, riu. “É… É isso. É leve.”

Ouça Viver (Mais Leve Que o Ar), disco de estreia de Marcelo Falcão:

Fonte: Rolling Stone

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